A dor de cada um

Publico um texto escrito por uma grande amiga. Particularmente, achei o texto muito bonito e sincero, embora seja suspeita para emitir opiniões acerca de seu tema. Não sou psicóloga, nunca estudei profundamente psicologia ou psicanálise, mas posso afirmar que possuo uma grande admiração por esses campos de estudos que, aliás, estão bem distantes das minhas escolhas profissionais e acadêmicas, uma vez que sou formada em direito e estudante de história.
Enfim, para aqueles que compartilham o interesse por essa ciência (fé moderna para alguns, lorota para outros), sugiro a leitura do texto abaixo.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRANSTORNO BIPOLAR E A MINHA DOR

"Pessoas com sintomas de depressão profunda, interrompida repentinamente por uma grande euforia, costumam enfrentar sérios problemas na vida social e familiar. Essas oscilações bruscas entre os dois extremos podem levar ao diagnóstico médico de transtorno bipolar do humor, que, segundo especialistas, é uma doença genética influenciada por situações de estresse e possui tratamento capaz de resgatar um comportamento normal do paciente.
A medicina identifica a fase de euforia (mania) através de aceleração extrema e inquietude, estimulando o impulso para compras, entre outras reações. Há casos mais graves de pacientes que rompem o contato com a sociedade e precisam de internação. Já a depressão costuma ser desencadeada por razões consideradas desproporcionais, como pela perda de uma carteira. Outros sintomas gerais são a ausência de sono, uso de drogas para dormir, e costume de automedicação. Há também a distorção da personalidade e da imagem corporal, pessoas magras que se acham gordas e chegam a desenvolver anorexia (perda ou redução de apetite) ou bulimia (provocação de vômito).
O transtorno bipolar é uma doença que, como qualquer outra, precisa ser corretamente diagnosticada e tratada com medicamentos. É uma doença mental? É, o cérebro produz de forma atípica alguns neurotransmissores fundamentais para nossa saúde mental. O motivo? Ainda não se sabe com precisão. Pode incapacitar a pessoa de exercer suas atividades rotineiras? Sim. Mas o pior de tudo é: não há cura para o transtorno bipolar, apenas controle. Tal qual uma diabete, que precisa ser controlada por toda a vida com injeções de insulina.
A doença começa a surgir depois de momentos de enorme desgaste psicológico, como um problema estressor no trabalho ou em casa, a morte de alguém próximo ou termino de um relacionamento. Há um estímulo emocional muito grande pela mudança do foco de atenção e queda brusca dos níveis hormonais.
Existe ainda um grande preconceito ou uma total ignorância sobre o que é o transtorno bipolar e seus efeitos e sintomas, que podem ser devastadores. O paciente, se mal diagnosticado ou submetido a tratamentos incorretos, pode torrar todo o seu patrimônio em incríveis três semanas, trabalhar por 48 horas seguidas sem se cansar, ou, no outro extremo, ficar impossibilitado de trabalhar, parar de comer por dias e dias, não sair de casa por semanas, não falar com absolutamente ninguém, chorar até cansar e, falando um português bem claro, o paciente de transtorno bipolar pode cometer suicídio.
Dito isso tudo aí em cima, posso dizer que eu sofro de transtorno bipolar. Há sete anos, quando comecei a desenvolver a depressão, decidi procurar ajuda. Eu tomava remédios antidepressivos, que os psiquiatras me indicavam, mas eles camuflavam o problema por algum tempo. Quando eu parava os remédios, os sintomas surgiam muito fortes, voltavam piores. Sofria estresse, chorava à toa e tinha pensamentos negativos. Costumava comprar muita coisa e assumir muitos compromissos, até um ponto que a atenção ficava dispersa e não conseguia terminar nenhum deles. Tinha um aumento de energia, o pensamento acelerado e conteúdo de pensamento depresssivo. Tinha muita irritabilidade e agressividade. Tomar decisões era difícil, não aceitava críticas, queria ficar para sempre num buraco, onde tudo era agradável. Depois de muitas crises e contando com a orientação de minha psicóloga, encontrei um terceiro psiquiatra, que diagnosticou o quadro de transtorno bipolar. Os remédios que tomo apesar de eficazes, possuem muitos efeitos colaterais. O resultado disso tudo é que tenho que fazer hemogramas bimestrais e dormir pelo menos 9 horas por dia. Sem falar na grana que gasto todo mês com remédios (caríssimos) e sessões de terapia com psicóloga e psiquiatra.
O tratamento do transtorno bipolar é feito com estabilizadores do humor, que precisam ser tomados por toda a vida. Mesmo me sentindo bem novamente, não devo interromper os remédios. Manter a doença sob controle permite viver a vida normalmente.
Então... dependo dos remédios e vivo chapada por conta do tratamento. As pessoas desconhecem, infelizmente, o que é o transtorno bipolar, a depressão crônica, a esquizofrenia, a síndrome do pânico, o transtorno obsessivo compulsivo, e enxergam uma certa beleza na afirmação de que "viver é sofrer", do filósofo Arthur Schopenhauer.
Eu busquei coragem para admitir que tinha um problema mental e precisava de ajuda médica. O segundo passo da via crucis em “busca da minha coragem” (isso poderia ser título de um filme melodramático, não?) foi não desistir de procurar um médico decente que me diagnosticasse de modo preciso e correto. Isto levou uns 6 anos, já que fui tratada por três (!) psiquiatras diferentes e uma psicóloga. O terceiro passo foi aceitar a medicação fortíssima e que me causa inúmeros efeitos colaterais, como náuseas, tonturas e excesso de sono. E continuo aqui, matando um leão por dia, porque é TERRÍVEL tomar oxcarbamazepina, carbamazepina, ácido valpróico, sentir-se cansada, com enjoos e tontura, fazer terapia, não ter a compreensão de vários amigos e familiares que acham que o transtorno bipolar inexiste, que o transtorno bipolar não passa de mera frescura ou um capricho meu.
É TERRÍVEL também sentir a solidão diária de quem precisa acordar forte todos os dias, porque uma crise pode me tirar da faculdade, e até mesmo me levar a tirar minha própria vida. É TERRÍVEL o desalento de perceber que só eu, e mais ninguém, realmente sabe o que é uma crise de depressão severa, quando a dor de um corte profundo não é nada, comparada ao desespero de querer sair daquela crise, da desesperança e da vontade de pular de uma ponte.
Será isso tudo condição para escrever como Faulkners, Hemingways, sem falar de Virginia Woolf e Tolstoy? Não, definitivamente não. Todos eles e gênios como Van Gogh e Mozart sofriam de transtorno bipolar. Não é necessário sentir uma profunda angústia por estar vivo para escrever sobre as dores de viver. Não é absolutamente necessário viver escrava das minhas oscilações bruscas de humor ou da minha estranha produção de neurotransmissores, para ver beleza no que é incerto e querer, sempre, dias mais densos.
Prefiro não perder minha identidade recém recuperada, prefiro tomar mais aulas de otimismo. Prefiro, mil vezes, amar as pessoas sem chocá-las com crises violentas, tentativas de suicídio, e com palavras mordazes e injustas, típicas da fase maníaca.
Prefiro não morrer como Faulkner (morreu bêbado) ou Hemingway e Virginia Woolf (cometeram suicídio).
Prefiro escrever tudo isso aqui, saudável, em casa, na companhia de meus três cachorros. Prefiro ter capacidade de cuidar dos meus cachorros e de todas as pessoas que realmente são importantes para mim.
Para quem enxerga “nobreza na embriaguez” e “perda de autonomia” com a medicação, eu continuo minha via crucis, aquela da coragem, para dizer “você não sabe nada, meu caro”. E nem por isso eu sinto rancor de tantas pessoas que, ao ouvirem de minha boca "sou bipolar e não vivo sem medicação”, franzem a testa. Escrever bem é uma arte. Controlar o que é aparentemente incontrolável, é uma luta constante que, ao final, vale muito a pena. Posso dizer que entre mortos e feridos, cá estou."













Nenhum comentário: