Memórias do Subsolo

Comecei a reler um livro essa semana. A primeira vez que li Memórias do Subsolo gostei de cara mas, em retrospectiva, vejo que não tinha entendido ou me identificado com seu conteúdo como agora. O livro consiste, em síntese, das memórias de um homem sem nome, o homem do subsolo, que resolve escrever suas impressões acerca da vida e do homem. No prefácio do livro, o tradutor cita que Nietzsche teria apreciado muito sua leitura e ao ler a primeira parte do memórias, fica claro porque. O homem do subsolo é amargo, analisa os homens de maneira crua e direta, fazendo pouco de suas preocupações e ideais, tirando sarro da mania que temos de acreditar nos objetivos e virtudes decorrentes da civilização.

Mas porque me identifiquei com esta obra nesse momento? Bem, o homem do subsolo fala em certa altura da tendência inconsciente que temos à auto-humilhação, ou seja, por mais que sejamos convencidos de que procuramos ao longo da vida felicidade e auto-realização, não conseguimos escapar da natureza e não raras vezes procuramos o sofrimento, que , segundo Dostoiévsky, acaba por ser uma forma de prazer. Para ilustrar, segue ipisis literis uma parte da obra:
"E por que estais convencidos tão firme e solenemente de que é vantajoso para o homem apenas o que é normal e positivo, numa palavra, unicamente a prosperidade? Não se enganará a razão quanto às vantagens? Talvez o homem não ame apenas a prosperidade? Talvez ele ame, na mesma proporção, o sofrimento? Talvez o sofrimento lhe seja exatamente tão vantajoso como a prosperidade? O homem às vezes, ama terrivelmente o sofrimento, ama-o até a paixão, isto é um fato." (Memórias do subsolo, Ed. 34, p. 47/78.).
Foi nessa parte que me identifiquei. Recentemente tenho me dado conta das inúmeras vezes que sou "levada" a comportamentos e atitudes que sei que me trarão sofrimento, mas não consigo escapar. Aliás, eu procuro o sofrimento muitas vezes, embora não tenha compreensão total do porque faço isso. Diversas vezes, ao invés de ficar parada, quieta no meu canto, procuro confusão, dou idéias aos outros para que façamos coisas que sei que não me farão bem... mas não consigo ficar quieta! Por que faço isso??? Não sei, mas é um comportamento recorrente...

Me identifico com o homem do subsolo e seus delírios, que o levam a situações dolorosas, como a que ele relembra na segunda parte do livro, a janta com os ex-colegas de colégio. Acho que muitas vezes tentamos provar a nós e ao destino que temos controle sobre nossas vidas, mas isso é mera ilusão, somos levados por nossas memórias esquecidas, aquelas que guardamos no fundo da consciência e que não compreendemos. É terrivel e duro aceitar isso ... Percebam que nem ouso exemplificar tais comportamentos... Isso seria humilhante demais e meu consciente entende isso, pelo menos. Mas parece que esse é o seu limite, a exteriorização de tais atitudes. Ele não funciona no momento de impedir que eu continue nessa auto-flagelação diária, das pequenas coisas, dos detalhes.

Por isso, na minha singela e limitada opinião, Dostoiévsky é um gênio incontestável: ele conseguiu expressar pela escrita as enchurradas de pensamentos desconexos e incompreensíveis que são inerentes aos seres humanos, possibilitando ao leitor uma forte identificação com o personagem. Além disso, suas idéias são muito similares àquelas que Freud expressaria quando desenvolveu a psicanálise, o que demonstra, novamente, a genialidade do autor russo, que deve ter passado muito tempo confrontando seus monstros internos (inconsciente para Freud).

Sugiro este livro a todos que queiram questionar muitas de suas atitudes diárias.

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