Coisas mais sérias

Publico texto do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, publicado na Folha de São Paulo. Como tudo que já li dele (e não foram muitas coisas pois acho que ele está um pouco além da minha capacidade) achei muito bom e apropriado para o momento.


As dores do pós-neoliberalismo
Boaventura de Sousa Santos


Cento e oitenta quatro anos depois, o Brasil parece finalmente estar a passar do período da pós-independência para o período pós-colonial. A entrada neste último período dá-se pela constatação, discutida na esfera pública, de que o colonialismo, longe de ter terminado com a independência, continuou sob outras formas mas sempre em coerência com o seu princípio matricial: o racismo como uma forma de hierarquia social não intencional porque assente na desi- gualdade natural das raças.A construção dessa vontade política é um processo complexo mas tem a seu favor, não só um punhado de convenções internacionais, como também e, sobretudo, a força política dos movimentos sociais protagonizados pelas vítimas inconformadas da discriminação racial.
A viragem descolonial para ser eficaz, tem de ocorrer no Estado e na sociedade, no espaço público e no espaço privado, no trabalho e no lazer, na educação e na saúde. É, pois, um processo civilizatório, tão complexo quanto irreversível. A modernidade ocidental foi na sua origem, simultaneamente um processo europeu, dotado de mecanismos poderosos como a liberdade, igualdade, secularização, inovação científica, direito internacional e progresso, e um processo extra-europeu, dotado de mecanismos não menos poderosos como o colonialismo, racismo, genocídio, escravatura, destruição cultural, impunidade, não-ética da guerra. Um não existiria sem o outro. Por terem sido concedidas aos descendentes dos colonos europeus e não aos povos originários ou aos para aqui trazidos pela escravatura (com excepção do Haiti), as independências latino americanas legitimaram o novo poder por via dos mecanismos do processo europeu para poderem continuar a exercê-lo por via dos mecanismos do processo extra europeu. Assim se naturalizou um sistema de poder que, sem contradição aparente, afirma a liberdade e a igualdade e pratica a opressão e a desigualdade. Um sistema até hoje em vigor, ou seja, até à entrada no período pós-colonial. Assentes neste sistema de poder, os ideais republicanos da igualdade constituem uma hipocrisia sistêmica. Só quem pertence à raça dominante tem o direito (e a arrogância) de dizer que a raça não existe ou que a identidade étnica é uma invenção. Uma democracia hipócrita não chega sequer a ter o mérito da hipocrisia democratizada. O máximo de consciência possível desta democracia hipócrita é diluir a discriminação racial na discriminação social. Admite que os negros e os indígenas são discriminados porque são pobres para não ter de admitir que eles são pobres porque são negros e indígenas. É, pois, uma democracia de muito baixa intensidade.
A sua crise final começa no momento em que as vítimas da discriminação se organizam para lutar contra a ideologia que os declara ausentes e as práticas que os oprimem enquanto presenças desvalorizadas. São lutas por uma democracia de alta intensidade e por um republicanismo robusto. Distinguem-se dos seus antecessores por duas razões. Em primeiro lugar, assentam na luta simultânea pela igualdade e pelo reconhecimento da diferença. Reivindicam o direito de ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito de ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza. Em segundo lugar, apostam em soluções institucionais dentro e fora do Estado para que o reconhecimento dos dois princípios seja efectivo. Daí a luta pelos projectos de lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial. O alto valor democrático destes projectos de lei reside na ideia de que o reconhecimento da existência do racismo só é legítimo quando visa a eliminação do racismo. É o único antídoto eficaz contra os que têm o poder de desconhecer ou negar o racismo para o continuarem a praticar impunemente. Estes projectos de lei, se aprovados e aplicados, darão ao Brasil uma nova autoridade moral e um novo protagonismo político no plano internacional. Mas será, no plano interno, que os seus efeitos positivos mais se farão sentir: a construção de uma coesão social sem a enorme sombra do silêncio dos excluídos. Para que tal ocorra, os movimentos sociais não podem confiar demasiado na vontade dos governantes dado que eles são produtos do sistema de poder que naturalizou a discriminação racial. Para que eles sintam a vontade de se descolonizarem é necessário pressioná-los e mostrar-lhes que o seu futuro colonial tem os dias contados. Esta pressão não pode ser obra exclusiva do movimento negro e do movimento indígena. É necessário que o MST, os movimentos de direitos humanos, sindicais, feministas, ecológicos, etc., se juntem à luta no entendimento de que, no momento presente, a luta pelas cotas e pela igualdade racial condensa, de modo privilegiado, as contradições de que nascem todas as outras lutas em que estão envolvidos.
Fonte: Folha de S.Paulo

Gosto não se discute

Sim, eu gosto de Christina Aguilera, e essa letra mostra por quê. É uma musica de amor mas que pode ter mais de um sentido. É lirica, poética. Pelo menos eu penso assim...

"Now what to do?
my heart has been bruised
So sad but it's true
each beat reminds me of you

It hurts my soul, cause I can't let go
All these walls are caving in
I can't stop mysufferin'
I hate to show that I've lost control
Cause I,
I keep going right back
to the one thing
thatI need

I'm about to break,
I can't stop this ache
I 'm addicted to your allure, and I'm fiendin' for a cure
Every step I take
leads to one mistake
I keep going right back to the one thing that I need...

I can't mend this torn state
I'm in getting nothing in return, what did I do to deserve
The pain of this slow burn
And everywhere I turn,
I keep going right back to theone thing that I need
To walk away from"


Tradução

"E agora o que fazer
Meu coração foi ferido
É triste mas verdade
Cada batida me faz lembrar você

E doi na alma
Pois não posso esquecer
Todas essa paredes estão enfraquecendo
e não consigo parar de sofrer
odeio mostrar que perdi o controle
Pois continuo voltando exatamente
Para a coisa da qual preciso...

Estou a ponto de desmoronar
Não posso evitar esta dor
Eu estou viciada no seu encanto
E preciso de uma cura
Cada passo que dou
Me conduz para um erro
E continuo indo de encontro
à única coisa da qual preciso...

Eu não consigo curar, esse estado indeciso que estou
Não tendo nada em troca, o que eu fiz pra merecer
A dor dessa lenta queimadura
E pra todo lugar que me viro
continuo voltando para a unica coisa
da qual preciso
me afastar"

O que é direito? Não sei se sei...Você sabe?

Quem lê esse blog e não me conhece (isso é possível??) pode ter a impressão que sou de várias áreas profissionais: letras, história, psicologia... A verdade é que sou "adevogada". Verdade, tenho que admitir, escolhi como profissão essa "coisa" que não se sabe exatamente se é ciência, se é prática ou o quê. A única verdade é que ser advogado (e nesse termo incluo, a grosso modo, todos os bacharéis em direito) hoje é um desafio, pois certamente é uma profissão vista com maus olhos pelo público em geral. E convenhamos, nós damos argumentos para essa imagem ruim: advogados são retratados como interesseiros, obcecados pelo lucro que vivem da desgraça alheia, seres acriticos que enxergam na lei a verdade e o objetivo final de uma sociedade "civilizada". O pior é que passamos cinco, seis anos na faculdade e muitas vezes saimos formados sem a compreensão exata da existência de nossa profissão: perseguidores da justiça e dos direitos individuais e coletivos? Talvez na teoria...

Nos primeiros semestres de curso, os professores tentam explicar o que é direito. Talvez eu seja muito burra, talvez as explicações tenham sido confusas mas até hoje não sei se há um conceito: é a ciência da justiça? ferramenta para resolver litigios? instrumento de dominação da classe burguesa? Tudo isso e mais. E nada. O interessante é que não me lembro de alguma aula em que tenhamos criticamente analisado as origens das leis e seus propósitos, o que não contribui para que hajam operadores do direito e juristas críticos e questionadores. As leis são encaradas como sendo o próprio direito e por consequência são aceitas como parte da realidade, como fato dado. E não são, longe disso. O questionamento é uma faca de dois gumes: como aplicar a lei ao caso concreto (para seus clientes e partes do processo) se não a aceitamos, se a consideramos injusta? Convenhamos, é mais fácil não perguntar isso e aplicar a crua e fria letra legal.

Enfim, comecei esse artigo pois queria fugir da temática que tem dominado esse blog. Queria comentar uma entrevista que li recentemente na revista Caros Amigos de um delegado do Rio de Janeiro. Mas vou deixar para uma próxima postagem, por hoje cansei de escrever.

Nietzsche historiador??

"Todos os filósofos têm em comum este defeito de partir do homem atual e imaginar chegar à sua essência através da análise que fazem. Eles representam vagamente o "homem" sem querê-lo, como aeterna veritatis, como realidade estável, no turbilhão de tudo, como medida asssegurada das coisas. Mas tudo que o filósofo enuncia sobre o homem não passa no fundo de apenas um testemunho sobre o homem de um período de tempo muito limitado. A falta de sentido histórico é o pecado original de todos os filósofos; muitos, sem se dar conta, a bem dizer acabam por tomar pela forma estável, da qual é preciso partir, a última figuração do homem, tal como foi modelada pela influência de certas religiões, até de certos acontecimentos políticos. Eles não querem compreender que o homem é o resultado de um devir, que a faculdade de conhecer também o é; e daí que alguns dentre eles fazem até mesmo com que o mundo saia por inteiro dessa faculdade de conhecer."

Humano demasiado humano.

Desvaneios estúpidos

Se eu achasse uma lâmpada mágica e pudesse fazer um desejo, ficaria desatordoada pois tem várias coisas que gostaria de pedir: que minha mãe se recuperasse 100% do AVC, que eu conseguisse o emprego que sempre quis, que eu encontrasse o amor da minha vida com tudo que tenho direito, que em 10 segundos perdesse todos os quilos a mais e substituisse o corpo violão por um corpo estilo Madonna, que meu cabelo fosse liso, meus olhos maiores, que meu QI fosse muiiiiito maior e, se tivesse em um dia com uma inspiração altruísta (isso existe? altruísmo? Nietzsche diria que não) a paz mundial (muito Miss esse pedido). Mas tem dias que pediria para ser burra e gostosa.
Sim, eu gostaria as vezes de ser burrinha, pois assim a vida seria menos complicada. Eu perco muito tempo pensando bobagem: na vida, se ela tem um propósito, porque estou aqui, porque não consigo mudar coisas que detesto em minha existência, etc...Se eu fosse burrinha, me preocuparia com o básico: faculdade, emprego, festas, namorados, as vezes família...minha vida giraria em torno de mim, bem egocêntrico. De quebra, se fosse gostosa, teria preocupações maravilhosas como qual dos vários pretendentes iria escolher e qual roupa fabulosa iria escolher para acentuar meus atributos físicos ... Que maravilha!
Mas não existe lâmpada mágica e não dá pra mudar nada...aliás, li recentemente uma passagem em que o personagem dizia que é ilusão acharmos que podemos mudar de vida. O máximo que a gente faz é mudar alguns detalhes, alguns caminhos que surgem ao longo da vida. E mesmo isso é extremamente complicado...
Sei lá porque estou escrevendo isso. Não tem razão. Só porque não estou muito inspirada hoje mas quis dar uma atualizada no blog.

Poesia

A Vida Verdadeira

Pois aqui está a minha vida
Pronta para ser usada


Vida que não se guarda
nem se esquiva, assustada.
Vida sempre a serviço da vida
Para servir ao que vale a pena
e o preço do amor


Aindo que o gesto me doa,
não encolho a mão, avanço
levando um ramo de sol.
Mesmo enrolado de pó,
dentro de uma noite mais fria,
a vida que vai comigo
é fogo:
está sempre acesa.


Vem da terra dos barrancos
o jeito doce e violento
da minha vida: esse gosto
de água negra transparente.


A vida vai no meu peito,
mas é quem vai me levando:
tição ardente velando,
girassol na escuridão.


Carrego um grito que cresce
Cada vez mais na garganta,
cravando seu travo triste
na verdade do meu canto.


Canto molhado e barrento
de menino do Amazonas
que viu a vida crescer
nos centros da terra firme.
Que sabe a vinda da chuva
pelo estremecer dos verdes
e sabe ler os recados
que chegam na asa do vento.
Mas sabe também o tempo
da febre e o gosto da fome.


Nas águas da minha infância
perdi o medo entre os rebojos.
Por isso avanço cantando.


Estou no centro do rio,
estou no meio da praça.
Piso firme no meu chão,
sei que estou no meu lugar,
como a panela no fogo
e a estrela na escuridão.


O que passou não conta?, indagarão
as bocas desprovidas.


Não deixa de valer nunca.
O que passou ensina
com sua garra e seu mel.


Por isso é que agora vou assim
no meu caminho. Publicamente andando.


Não, não tenho caminho novo.
O que tenho de novo
é o jeito de caminhar.
Aprendi
(o caminho me ensinou)
a caminhar cantando
como convém
a mim
e aos que vão comigo.
Pois já não vou mais sozinho.


Aqui tenho a minha vida:
feita à imagem do menino
que continua varando
os campos gerais
e que reparte o seu canto
com o seu avô
repartia o cacau
e fazia da colheita
uma ilha de bom socorro


Feita à imagem do menino
mas à semelhança do homem:
com tudo que ele tem de primavera
de valente esperança e rebeldia.


Vida, casa encantada,
onde eu moro e mora em mim,
te quero assim verdadeira
cheirando a manga e jasmim.
Que me seja deslumbrada
como ternura de moça
rolando sobre o capim.


Vida, toalha limpa,
vida posta na mesa,
vida brasa vigilante
vida pedra e espuma,
alçapão de amapolas,
o sol dentro do mar,
estrume e rosa do amor:
a vida.

Há que merecê-la.



Thiago de Mello
Faz Escuro mas eu Canto.

Um pouco mais de bobagem

Reproduzo parte de um livro que li anos atrás e que copiei em um caderno de citações, que tirei do fundo do armário (literalmente) há alguns dias. O nome do livro é A dança e pode ser enquadrado no gênero auto-ajuda. Não concordo bem com isso, pois trata-se de uma narrativa de uma escritora que sobreviveu a um câncer e "mudou" de vida. Tá, parece auto-ajuda mesmo, naquele estilo "você pode mudar sua vida, é só querer"...mas o fato é que ela escreve muito bem e o livro tem passagens interessantes...
" Quando evitarmos o vazio, quando preenchermos a quietude com um excesso de atividades, frequentemente o que estamos tentando fazer é superar a crença, por vezes inconsciente, de que quem somos nunca será suficiente. As coisas a que tentamos nos agarrar - nosso trabalho, nossos relacionamentos, nossa reputação e ganhos - são aquelas que achamos que irão nos tornar merecedores da vida e do amor quando nos consideramos básica e inerentemente defeituosos. Quando conseguirmos simplesmente conviver com o medo de não sermos suficientes, e com a vastidão de que não nos conhecemos, descobrimos um vazio que não é uma deficiência nossa e sim a origem da plenitude de quem e do que somos. "
Tenho noção de que estou repetitiva...as leituras que tenho feito mostram isso (aliás, as leituras que fazemos invariavelmente mostram em que fase nos encontramos) e essa citação meio quebate de frente com as idéias de livros que citei em outras postagens. No fundo, eu continuo tentando ser positiva, com muita dificuldade, admito. Aliás, acho que devo começar a escrever sobre coisas mais sérias (cotas, politica, sei lá), mas não tenho tido ânimo...quem tiver a infelicidade de estar aqui lendo...bom...azar o seu, pare de ler, acho que esse espaço é mais para mim do que para qualquer outra pessoa.

Mais leituras

Pois bem, continuo na fase "leitura de livros geniais e deprimentes".
Depois de reler Memórias do Subsolo, passei a reler também Crime e Castigo e ontem, resolvi dar uma segunda chance ao romance de Albert Camus, O Estrangeiro. Há alguns anos , quando estava no cursinho, comecei a ter coragem de ler obras desafiadoras que pensava não ter capacidade para entender. Terei uma dívida eterna com o professor de literatura do mottola, que não se restringia a falar sobre as leituras obrigatórias da UFRGS e fazia, vez que outra, comparações de obras brasileiras (e constantes no edital do vestibular) com obras clássicas estrangeiras. Esse professor, inclusive, era aficcionado em literatura russa e sempre citava Dostoiévski. Enfim, criei coragem e fui ler autores como Tolstói, Goethe, Saramago e Gabriel Garcia Márquez.
Como nem tudo são flores, me dei mal ao tentar ler obras de James Joyce, Gogól e o já citado Camus. Quando iniciei O Estrangeiro, achei um saco, tedioso mesmo e parei logo no início. Porém, os anos se passaram e conversando com uma amiga na semana passada, fui persuadida a voltar à obra francesa e terei que agradecê-la, pois o livro é, na minha humilde opinião, sensacional. A prosa de Camus não é propriamente "fácil"; acredito que o termo "limpo" seria mais adequado para defini-la. De fato, a narração é tão direta e desprovida de floreios que chega a ser de certa forma sufocante e pode realmente levar ao tédio. Isso não deve impedir, entretanto, a continuidade na leitura, pois a complexidade de seu personagem principal é muito interessante.
Na mesma linha dos livros citados no início desse texto e em postagem anterior, O Estrangeiro trata de vários questionamentos dolorosos e incômodos e conta a história de um homem desligado do mundo, apático e indiferente a todos os acontecimentos (ou seja, um estrangeiro, numa acepção completamente nova da palavra), para quem a morte não representa senão o fim de uma existência completamente enfadonha. O questionamento da moral vigente está nitidamente presente, bem como as relações entre sociedade e religião, homem e Deus. O personagem Mersault parece negar toda a "normalidade" e os valores e comportamentos exigidos de pessoas "saudáveis e felizes". O que ele rejeita não é propriamente a vida mas sobretudo o absurdo da inexplicabilidade da nossa existência.
Enfim, eu sou muito limitada no que concerne à análises literárias, eu simplesmente gosto ou não de um livro. Fica a sugestão.
"Ao contrário do que em geral se pensa, tomar uma decisão é uma das decisões mais fáceis deste mundo, como cabalmente se demonstra pelo fato de não fazermos mais nada que multiplicá-las ao longo de todo o santíssimo dia..."

José Saramago
O homem duplicado

O que rege a minha vida

Se eu tivesse que resumir a uma palavra o sentimento que rege minha vida seria rejeição.
Deprimente, horrivel, pessimista essa minha declaração? Verdade.

Verdade também é que não posso escapar dessa constatação. Essa palavra surgiu nas primeiras sessões de terapia, que comecei a fazer em outubro de 2004. Passados quase três anos, não consigo encarar de frente essa realidade.

Tentemos entender. Segundo a psicanálise, a personalidade do ser humano é determinada pelas experiências que temos até os cinco anos de idade. É foda pensar nisso, que muitos de nossos problemas vêm de uma época que sequer lembramos com nitidez e na qual não tinhamos o conhecimento necessário para impedir que "estragos" fossem feitos. Pois bem, imaginemos uma criança, que não tem idéia da complexidade que cerca as relações humanas, em todas suas instâncias. Essa criança, por volta dos quatro anos, iniciará seu caminhos nas relações sociais e ingressará em uma escolinha ou creche, onde aprenderá a conviver com outras pessoas (crianças). Nesse momento, ela começará a ver diferenças entre si mesma e sua vida em relação a dos coleguinhas. E um belo dia percebe que a maioria delas possui, ao menos, duas figuras importantes em casa: a mamãe e o papai. Essa criança percebe que ela não tem uma dessas figuras e não entende...não tem as informações e a experiência necessárias para entender essa ausência. Então, em sua limitada consciência, imagina que se aquela pessoa não está ali, deve ter ido embora em razão de alguma coisa errada que ela fez. Pronto, fudeu a vida dessa pobre criança.

Quando jovens, não temos como relacionar certas informações. Uma criança não pode imaginar que os adultos se relacionam e que muitas vezes tais relacionamentos não dão certo; ela não sabe que existem pessoas com objetivos de vida diferentes; que muitos adultos têm caráter duvidoso; enfim, não sabem de nada. Passam os anos e viramos adolescentes. Estaremos, então, no meio do caminho e já teremos uma base maior de vivência e aprenderemos que coisas ruins acontecem para todos. E aquela criança de quem falamos no parágrafo acima entenderá que o pai ou a mãe não quis (não pode) ficar com a mãe ou com o pai e com ela e que não havia nada que ela (criança-jovem) pudesse fazer, pois cada um escolhe o rumo de sua vida. Só que neste momento, esse jovem assimilou durante anos que as pessoas o deixam se ele faz algo errado e procurará, inconscientemente, ter várias qualidades que manterão as pessoas que ele ama por perto: procurará ser legal, inteligente, amigo, divertido, amável, simpático, bonito, atraente, enfim, perfeito. E ninguém é perfeito, daí decorre mais um problema. Esse jovem não vai querer que se repita o que aconteceu lá no inicio de sua vida e evitará, a todo custo, que o rejeitem, procurando ser alguém perfeito. E isso é impossivel! E toda vez que ele perceber que falta alguma coisa (não é bonito, atraente, inteligente, magro, legal, amigo o suficiente) se desesperará, pensando que irão rejeitá-lo novamente. E o ciclo continuará assim, por muito tempo.

Esse desabafo é inédito em minha vida, não gosto de falar nesse assunto. Minhas amigas mais próximas nunca ouviram nada sobre isso e minha psicóloga quase me força a lembrar tais recordações. Achei que se escrevesse e colocasse pra fora talvez ficasse mais fácil lidar com essa merda. Claro que não vai, não existe mágica para fazer com que sentimentos ruins desapareçam.
Mas não custa tentar, não é?

Memórias do Subsolo

Comecei a reler um livro essa semana. A primeira vez que li Memórias do Subsolo gostei de cara mas, em retrospectiva, vejo que não tinha entendido ou me identificado com seu conteúdo como agora. O livro consiste, em síntese, das memórias de um homem sem nome, o homem do subsolo, que resolve escrever suas impressões acerca da vida e do homem. No prefácio do livro, o tradutor cita que Nietzsche teria apreciado muito sua leitura e ao ler a primeira parte do memórias, fica claro porque. O homem do subsolo é amargo, analisa os homens de maneira crua e direta, fazendo pouco de suas preocupações e ideais, tirando sarro da mania que temos de acreditar nos objetivos e virtudes decorrentes da civilização.

Mas porque me identifiquei com esta obra nesse momento? Bem, o homem do subsolo fala em certa altura da tendência inconsciente que temos à auto-humilhação, ou seja, por mais que sejamos convencidos de que procuramos ao longo da vida felicidade e auto-realização, não conseguimos escapar da natureza e não raras vezes procuramos o sofrimento, que , segundo Dostoiévsky, acaba por ser uma forma de prazer. Para ilustrar, segue ipisis literis uma parte da obra:
"E por que estais convencidos tão firme e solenemente de que é vantajoso para o homem apenas o que é normal e positivo, numa palavra, unicamente a prosperidade? Não se enganará a razão quanto às vantagens? Talvez o homem não ame apenas a prosperidade? Talvez ele ame, na mesma proporção, o sofrimento? Talvez o sofrimento lhe seja exatamente tão vantajoso como a prosperidade? O homem às vezes, ama terrivelmente o sofrimento, ama-o até a paixão, isto é um fato." (Memórias do subsolo, Ed. 34, p. 47/78.).
Foi nessa parte que me identifiquei. Recentemente tenho me dado conta das inúmeras vezes que sou "levada" a comportamentos e atitudes que sei que me trarão sofrimento, mas não consigo escapar. Aliás, eu procuro o sofrimento muitas vezes, embora não tenha compreensão total do porque faço isso. Diversas vezes, ao invés de ficar parada, quieta no meu canto, procuro confusão, dou idéias aos outros para que façamos coisas que sei que não me farão bem... mas não consigo ficar quieta! Por que faço isso??? Não sei, mas é um comportamento recorrente...

Me identifico com o homem do subsolo e seus delírios, que o levam a situações dolorosas, como a que ele relembra na segunda parte do livro, a janta com os ex-colegas de colégio. Acho que muitas vezes tentamos provar a nós e ao destino que temos controle sobre nossas vidas, mas isso é mera ilusão, somos levados por nossas memórias esquecidas, aquelas que guardamos no fundo da consciência e que não compreendemos. É terrivel e duro aceitar isso ... Percebam que nem ouso exemplificar tais comportamentos... Isso seria humilhante demais e meu consciente entende isso, pelo menos. Mas parece que esse é o seu limite, a exteriorização de tais atitudes. Ele não funciona no momento de impedir que eu continue nessa auto-flagelação diária, das pequenas coisas, dos detalhes.

Por isso, na minha singela e limitada opinião, Dostoiévsky é um gênio incontestável: ele conseguiu expressar pela escrita as enchurradas de pensamentos desconexos e incompreensíveis que são inerentes aos seres humanos, possibilitando ao leitor uma forte identificação com o personagem. Além disso, suas idéias são muito similares àquelas que Freud expressaria quando desenvolveu a psicanálise, o que demonstra, novamente, a genialidade do autor russo, que deve ter passado muito tempo confrontando seus monstros internos (inconsciente para Freud).

Sugiro este livro a todos que queiram questionar muitas de suas atitudes diárias.

A dor de cada um

Publico um texto escrito por uma grande amiga. Particularmente, achei o texto muito bonito e sincero, embora seja suspeita para emitir opiniões acerca de seu tema. Não sou psicóloga, nunca estudei profundamente psicologia ou psicanálise, mas posso afirmar que possuo uma grande admiração por esses campos de estudos que, aliás, estão bem distantes das minhas escolhas profissionais e acadêmicas, uma vez que sou formada em direito e estudante de história.
Enfim, para aqueles que compartilham o interesse por essa ciência (fé moderna para alguns, lorota para outros), sugiro a leitura do texto abaixo.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRANSTORNO BIPOLAR E A MINHA DOR

"Pessoas com sintomas de depressão profunda, interrompida repentinamente por uma grande euforia, costumam enfrentar sérios problemas na vida social e familiar. Essas oscilações bruscas entre os dois extremos podem levar ao diagnóstico médico de transtorno bipolar do humor, que, segundo especialistas, é uma doença genética influenciada por situações de estresse e possui tratamento capaz de resgatar um comportamento normal do paciente.
A medicina identifica a fase de euforia (mania) através de aceleração extrema e inquietude, estimulando o impulso para compras, entre outras reações. Há casos mais graves de pacientes que rompem o contato com a sociedade e precisam de internação. Já a depressão costuma ser desencadeada por razões consideradas desproporcionais, como pela perda de uma carteira. Outros sintomas gerais são a ausência de sono, uso de drogas para dormir, e costume de automedicação. Há também a distorção da personalidade e da imagem corporal, pessoas magras que se acham gordas e chegam a desenvolver anorexia (perda ou redução de apetite) ou bulimia (provocação de vômito).
O transtorno bipolar é uma doença que, como qualquer outra, precisa ser corretamente diagnosticada e tratada com medicamentos. É uma doença mental? É, o cérebro produz de forma atípica alguns neurotransmissores fundamentais para nossa saúde mental. O motivo? Ainda não se sabe com precisão. Pode incapacitar a pessoa de exercer suas atividades rotineiras? Sim. Mas o pior de tudo é: não há cura para o transtorno bipolar, apenas controle. Tal qual uma diabete, que precisa ser controlada por toda a vida com injeções de insulina.
A doença começa a surgir depois de momentos de enorme desgaste psicológico, como um problema estressor no trabalho ou em casa, a morte de alguém próximo ou termino de um relacionamento. Há um estímulo emocional muito grande pela mudança do foco de atenção e queda brusca dos níveis hormonais.
Existe ainda um grande preconceito ou uma total ignorância sobre o que é o transtorno bipolar e seus efeitos e sintomas, que podem ser devastadores. O paciente, se mal diagnosticado ou submetido a tratamentos incorretos, pode torrar todo o seu patrimônio em incríveis três semanas, trabalhar por 48 horas seguidas sem se cansar, ou, no outro extremo, ficar impossibilitado de trabalhar, parar de comer por dias e dias, não sair de casa por semanas, não falar com absolutamente ninguém, chorar até cansar e, falando um português bem claro, o paciente de transtorno bipolar pode cometer suicídio.
Dito isso tudo aí em cima, posso dizer que eu sofro de transtorno bipolar. Há sete anos, quando comecei a desenvolver a depressão, decidi procurar ajuda. Eu tomava remédios antidepressivos, que os psiquiatras me indicavam, mas eles camuflavam o problema por algum tempo. Quando eu parava os remédios, os sintomas surgiam muito fortes, voltavam piores. Sofria estresse, chorava à toa e tinha pensamentos negativos. Costumava comprar muita coisa e assumir muitos compromissos, até um ponto que a atenção ficava dispersa e não conseguia terminar nenhum deles. Tinha um aumento de energia, o pensamento acelerado e conteúdo de pensamento depresssivo. Tinha muita irritabilidade e agressividade. Tomar decisões era difícil, não aceitava críticas, queria ficar para sempre num buraco, onde tudo era agradável. Depois de muitas crises e contando com a orientação de minha psicóloga, encontrei um terceiro psiquiatra, que diagnosticou o quadro de transtorno bipolar. Os remédios que tomo apesar de eficazes, possuem muitos efeitos colaterais. O resultado disso tudo é que tenho que fazer hemogramas bimestrais e dormir pelo menos 9 horas por dia. Sem falar na grana que gasto todo mês com remédios (caríssimos) e sessões de terapia com psicóloga e psiquiatra.
O tratamento do transtorno bipolar é feito com estabilizadores do humor, que precisam ser tomados por toda a vida. Mesmo me sentindo bem novamente, não devo interromper os remédios. Manter a doença sob controle permite viver a vida normalmente.
Então... dependo dos remédios e vivo chapada por conta do tratamento. As pessoas desconhecem, infelizmente, o que é o transtorno bipolar, a depressão crônica, a esquizofrenia, a síndrome do pânico, o transtorno obsessivo compulsivo, e enxergam uma certa beleza na afirmação de que "viver é sofrer", do filósofo Arthur Schopenhauer.
Eu busquei coragem para admitir que tinha um problema mental e precisava de ajuda médica. O segundo passo da via crucis em “busca da minha coragem” (isso poderia ser título de um filme melodramático, não?) foi não desistir de procurar um médico decente que me diagnosticasse de modo preciso e correto. Isto levou uns 6 anos, já que fui tratada por três (!) psiquiatras diferentes e uma psicóloga. O terceiro passo foi aceitar a medicação fortíssima e que me causa inúmeros efeitos colaterais, como náuseas, tonturas e excesso de sono. E continuo aqui, matando um leão por dia, porque é TERRÍVEL tomar oxcarbamazepina, carbamazepina, ácido valpróico, sentir-se cansada, com enjoos e tontura, fazer terapia, não ter a compreensão de vários amigos e familiares que acham que o transtorno bipolar inexiste, que o transtorno bipolar não passa de mera frescura ou um capricho meu.
É TERRÍVEL também sentir a solidão diária de quem precisa acordar forte todos os dias, porque uma crise pode me tirar da faculdade, e até mesmo me levar a tirar minha própria vida. É TERRÍVEL o desalento de perceber que só eu, e mais ninguém, realmente sabe o que é uma crise de depressão severa, quando a dor de um corte profundo não é nada, comparada ao desespero de querer sair daquela crise, da desesperança e da vontade de pular de uma ponte.
Será isso tudo condição para escrever como Faulkners, Hemingways, sem falar de Virginia Woolf e Tolstoy? Não, definitivamente não. Todos eles e gênios como Van Gogh e Mozart sofriam de transtorno bipolar. Não é necessário sentir uma profunda angústia por estar vivo para escrever sobre as dores de viver. Não é absolutamente necessário viver escrava das minhas oscilações bruscas de humor ou da minha estranha produção de neurotransmissores, para ver beleza no que é incerto e querer, sempre, dias mais densos.
Prefiro não perder minha identidade recém recuperada, prefiro tomar mais aulas de otimismo. Prefiro, mil vezes, amar as pessoas sem chocá-las com crises violentas, tentativas de suicídio, e com palavras mordazes e injustas, típicas da fase maníaca.
Prefiro não morrer como Faulkner (morreu bêbado) ou Hemingway e Virginia Woolf (cometeram suicídio).
Prefiro escrever tudo isso aqui, saudável, em casa, na companhia de meus três cachorros. Prefiro ter capacidade de cuidar dos meus cachorros e de todas as pessoas que realmente são importantes para mim.
Para quem enxerga “nobreza na embriaguez” e “perda de autonomia” com a medicação, eu continuo minha via crucis, aquela da coragem, para dizer “você não sabe nada, meu caro”. E nem por isso eu sinto rancor de tantas pessoas que, ao ouvirem de minha boca "sou bipolar e não vivo sem medicação”, franzem a testa. Escrever bem é uma arte. Controlar o que é aparentemente incontrolável, é uma luta constante que, ao final, vale muito a pena. Posso dizer que entre mortos e feridos, cá estou."













Introdução

Pois então, mais um blog na internet. Nada de novo, sou apenas mais uma pessoa em busca de algo. Não sei no que exatamente consiste esse algo, mas... A explicação mais segura e banal está relacionada a um desejo de exercitar a escrita, algo que só vem sendo exercido em provas e trabalhos na faculdade. A outra explicação, mais pessoal e egocêntrica, está ligada a um desejo de querer desabafar, exteriorizar idéias e pensamentos. A questão, nesse momento, que invade minha cabeça é se conseguirei fazê-lo. Ao longo das últimas semanas tenho tido experiências múltiplas que vão da depressão (não estou falando aqui necessariamente do termo clínico) à normalidade e que, em momento nenhum chegam àquele sentimento de euforia que muitas pessoas dizer experimentar quando passam por momentos tristes. Daí, portanto, o desejo de exteriorizar os questionamentos, dúvidas e aflições que têm me aflingido.

Alguém poderia dizer que isso não passa de mais um diário virtual de merda, de pessoas que recorrem à internet para "chorar as pitangas" e reclamar de seus problemas mundanos e diários. Não pretendo que isso ocorra de maneira alguma. Espero poder expressar em palavras opiniões e impressões de assuntos corriqueiros, polêmicos, etc, e não ficar apenas divagando sobre a vida. Mas não sei ainda, veremos no que vai dar.

Reflexão pessimista?

Aquele que combate monstros deve prevenir-se para não se tornar ele próprio um monstro.
Se tu olhas longamente para um abismo, o abismo também olha em ti.

Friederich Nietzsche
Além do Bem e do Mal